Discurso de Abertura
14 de Novembro
Para começar uma questão, será que se travestirmos a próxima edição dos Caminhos como o primeiro espetáculo de cabaret português, teremos uma mais ampla cobertura mediática e a cedência do TAGV a custo zero? Apesar de sabermos a resposta, vamos manter-nos fiéis a nós mesmos e pelo respeito merecido ao cinema português, com todos os esforços e contrariedades enfrentadas.
Dois anos passaram desde a nossa última edição dos Caminhos. Este hiato foi pautado por uma maior consciencialização da nossa parte do estado das coisas do mundo cultural. Os Caminhos têm-se feito caminhando, com diversos passos de variados dinamizadores culturais e artistas em geral, que nos auxiliaram nesta tarefa de exibir cinema português.
Temos sempre considerado Coimbra como capital do cinema português. Divulgamos o aroma académico e irreverente desta cidade, com bastante orgulho. Porém, sentimos que tal não tem sido recíproco. Várias câmaras municipais acreditam neste projecto e apoiam-nos, tornou-se excepção o Município de Coimbra que tem há mais de vinte anos o único festival de cinema português.
Cruzamo-nos anualmente com artistas portugueses empenhados em demonstrar que o cinema português é merecedor de uma audiência em peso, composta também por portugueses. Tristes ficamos quando vemos que ainda são vários aqueles que carecem de um reconhecimento vazio, mas estrangeiro, do que nacional e mais dignificante. Ser artista, na nossa opinião, é aquele que é reconhecido pelos pares como tal. Temos vindo a reconhece-los amplamente, juntamente com a nossa fiel audiência, mas apenas aqueles que se acham merecedores da nossa singela apreciação.
O cinema, seja ele em formato de animação, ficção ou documental, sempre funcionou como instrumento de alerta, mesmo político. Analisamos o seu estado de saúde, mediante o número de produções criadas e sua qualidade. Muitas foram as obras que se inscreveram a apreciação no nosso festival (mais de quatrocentas!), demonstrando necessidade de serem mostradas e divulgadas. O cinema marca épocas e é um acervo cultural, merecendo ser protegido por quem de direito. Chegámos à conclusão que estamos numa fase em que o cinema se encontra em mãos de ninguém, tal como a cultura em geral. Se não for protegido por individuais, em projectos como o nosso e outros de índole privada, não nos parece que consiga sobreviver apenas por ajudas institucionais descontextualizadas e sem conhecimento funcional do mundo artístico.
Diz-se ‘A César o que é de César’, então que a Arte e Cultura sejam para os Artistas e verdadeiros apreciadores, ao invés de ser deixada em mãos de supostos dinamizadores, que não passam mais do que Velhos do Restelo de sofá, com convenções meramente materialistas, de gosto ou financeiras. O Estado e o Poder Local devem unicamente certificar-se que a defendem, tal como qualquer outro interesse colectivo, não a desacreditando ou destruindo. Ousamos dizer não à censura, seja ela sociológica ou cultural.
Por fim queremos agradecer a todos os presentes nesta sala, do cinéfilo ao curioso, do realizador ou actor, do produtor ao argumentista e todos os demais, pois vocês ajudam a manter viva esta causa!