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Crónica do festival – I

O Festival “Caminhos do Cinema Português”, cuja 23ª edição terá lugar entre os dias 27 de novembro e 3 de dezembro de 2017, continua a ser – para além de um dos raros exemplos que conseguiu tal longevidade apesar da (aparente) desvantagem de não se realizar na Grande Lisboa ou no Grande Porto – o único festival de cinema em Portugal dedicado unicamente ao cinema português. Nunca é demais chamar a atenção para esta sua manifesta “imagem de marca” ao longo destes 23 anos, que formam um trajeto em que a vontade de exibir, divulgar e premiar o nosso cinema permitiu acompanhar a evolução tanto da obra dos seus nomes mais consagrados quanto de criadores que estão no início do seu percurso. De facto, o Festival abarca todas as vertentes do cinema português na sua secção competitiva, desde projetos finais das escolas de cinema à animação, ao documentário, à curta-metragem e à longa-metragem, mas, ciente de que a indústria cinematográfica é um terreno vasto e multifacetado, tem vindo a introduzir outras atividades ao longo dos anos, como os Ensaios Visuais, agora secção competitiva denominada Selecção Ensaios, a Secção Caminhos Juniores e, desde 2011, o curso de Cinemalogia,  que se têm comprovado como iniciativas essenciais para formar públicos e estimular a criação de novas obras cinematográficas.

Por todos estes motivos, os “Caminhos do Cinema Português” ocupam um lugar muito particular entre os eventos culturais deste país. Todos sabemos que as salas de cinema tradicionais vão sendo cada vez mais escassas (mesmo nas grandes urbes) e que os fóruns de exibição cinematográfica têm sido transferidos de forma inexorável para os grandes espaços comerciais que, visando essencialmente o lucro, geraram um panorama no qual as películas que não são suportadas pelas grandes indústrias (como é o caso das portuguesas) adquirem pouco espaço (e tempo) de exibição; paralelamente, persiste entre o público um sintoma de desconfiança (que poderá, em larga medida, explicar o aspeto suprarreferido) em relação ao cinema português, que é muitas vezes encarado como “difícil”, “parado” e “demasiado literário”. Sê-lo-á? É evidente que temos filmes que são complexos ou com um pendor mais literário (embora “parados” não creia que existam, tendo em conta que o cinema é, por definição, uma arte do movimento), como os há em qualquer outra cinematografia, mas temos também inúmeros exemplos – e sempre tivemos – de filmes com um recorte mais “imediato”, por assim dizer. Por conseguinte, qualquer tentativa da crítica, da academia ou do público em geral para anotar e/ou descrever as singularidades estéticas ou técnicas do cinema português incorre no risco de se tornar num problema sem solução, como o certificam muitas das novas obras que têm vindo a ser apresentadas ao longo dos últimos anos, que claramente apostam na descoberta, no desafio e na criação de novos Caminhos para o nosso cinema.

É com esta consciência que os “Caminhos do Cinema Português” têm abraçado o desafio de selecionar e de programar tanto o cinema português que já está inscrito nos circuitos comerciais como aquele que, de outra forma, dificilmente conseguiria chegar às salas, transformando-se numa montra da produção nacional que, mais do que atravessar a imensa pluralidade das formas fílmicas, aposta na proximidade entre os criadores e os espetadores, pois, como declarou Manoel de Oliveira, “o espetador é indispensável à obra [cinematográfica], é quem a acaba, é quem lhe põe o ponto final”.

Bruno Fontes, 2017

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