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O mar português chega a Coimbra pelo cinema

O projeto FILMar, da Cinemateca Portuguesa, e a Casa do Cinema de Coimbra mostram um conjunto de filmes portugueses recentemente restaurados e digitalizados, num ciclo que abre com As Ilhas Encantadas, de Carlos Vilardebó, com Amália Rodrigues numa das suas menos conhecidas e mais surpreendentes interpretações.

A partir de 1 de Fevereiro e até 30 de Abril, vão passar por Coimbra filmes que marcaram a história do cinema português pela sua inventividade, radicalismo e singularidade, que ajudarão a rever a ideia que temos do cinema nacional. São mais de uma dezena de títulos, em sessões especiais que incluem curtas e longas-metragens realizadas ao longo de mais de oito décadas, até agora pouco vistas ou indisponíveis, pensadas para o grande público e apresentadas em novas cópias digitais, realizadas no âmbito do projeto FILMar, com o apoio do Mecanismo Financeiro Europeu EEAGrants 2020-2024. 

Assim, para além do seu valor artístico inegável, os filmes exibidos promovem o acesso a um conjunto de títulos que, graças a este projecto e à CCC, poderão finalmente ser vistos nos seus vários formatos realizados: animação, documentário e ficção.

Ao apostar-se num circuito de património nacional como este, pretende devolver-se às comunidades a memória visual das suas próprias identidades, revelando as evoluções, os contextos e os modos de contar histórias que fizeram do cinema uma arte da mudança.

Nos 50 anos do 25 de Abril, este ciclo é também a possibilidade de olharmos para uma história do cinema português e descobrirmos o que se escondia em filmes que procuraram construir um país diferente. As novas cópias digitais são um inestimável contributo para a criação de novas relações entre gerações, perspetivas e conhecimentos.

O projecto FILMar tem contribuído para um conhecimento mais aprofundado sobre as histórias contadas pelo cinema português, tanto na ficção como no documentário, aproximando o cinema de património com a ciência, a educação e economia que perpassam nos filmes e, através deles, contextualizam o conhecimento, aprofundam o debate e potenciam relações complementares de trabalho. 

01 a 07 fevereiro
“As Ilhas Encantadas” (Carlos Vilardebó, FIC, 89′, 1965)

“As Ilhas Encantadas”, baseado num conto de Herman Melville, é uma obra cinematográfica produzida por António da Cunha Telles. Com Amália Rodrigues e Pierre Clémenti nos papéis principais, o filme conta a história de náufragos numa ilha desabitada, sobrevivendo através da pesca de tartarugas gigantes. A narrativa, contada por Pierre Vaneck, explora a relação ambígua entre Hunila (Amália Rodrigues) e um marinheiro francês (Pierre Clémenti), interrompida pela chegada do salvamento. Um filme luminoso e onírico, que importa redescobrir, rodado na ilha de Porto Santo, revelando uma Amália Rodrigues inédita e bravia. O filme foi restaurado e seleccionado em 2023 pelo Festival Lumière, recebendo o selo Lumière Classics.

01, 03 e 06 março
“Uma Pedra no Bolso” (Joaquim Pinto, FIC, 92′, 1988)

Miguel (Bruno Leite) tem doze anos de idade e os seus estudos não vão nada bem. De castigo é mandado pela mãe para a estalagem de uma tia, à beira mar, no qual, teoricamente, a vida é tão monótona que estudar será a única ocupação possível. No entanto, as pessoas que ali encontra despertam a sua curiosidade e interesse: a bela e enigmática Luísa (Inês de Medeiros); João (Manuel Lobão), um jovem pescador local de reputação duvidosa e o muito sério Dr. Fernando (Luís Miguel Cintra) que por ali anda a recuperar do divórcio, três personagens que marcarão a entrada da sua primeira “pedra no bolso”. Miguel vai fazer grandes progressos nos quatro dias que se seguem, mesmo se os conhecimentos que adquire ultrapassem o campo restrito dos estudos. Acima de tudo compreende quão relativa é a verdade quando estão em jogo amor e dinheiro.

16 março — Matiné Infantil “FILMar Júnior”

“A Lenda do Mar Tenebroso” (Ricardo Neto, ANI, 12′, 1975)

Produzido para a série “Favolistica Europeia”, “A Lenda do Mar Tenebroso” descrevia um oceano Atlântico mergulhado numa escuridão constante e habitado por monstros terríveis que podiam afundar qualquer navio nas suas ondas medonhas e águas ferventes. A inventividade de Ricardo Neto, faz deste filme de animação um marco histórico do Portugal revolucionário.

“A Extraordinária Aventura do Zeca” (Adolfo Coelho, ANI, 7′, 1938)

Um miúdo tem um boneco chamado Zeca. Este vai de barco até à Ilha da Madeira, onde encontra a Rainha das Bananas. Uma Aranha gigante deixa-lhe uma mensagem, de que ela é uma impostora. A Rainha fica furiosa e ordena um torneio, durante o qual se prova que as Bananas da Madeira são as mais nutritivas e valentes. Uma inovadora animação, pensada para a promoção da banana da Madeira, que se tornou num marco com cinema publicitário.

“Conservas de Atum” (Castello Branco Mello (prod.), ANI, 5’45”, 1929)

A publicidade às conservas de atum da empresa Mello, Castello Branco, Ldª transformam-se numa fábula sobre como conseguir obter o melhor produto. Diabos, pactos e barcos num filme pioneiro, onde as marionetas e o desenho ajudam a convencer a qualidade das conservas.

“Praias de Portugal” (Gentil Marques, DOC, 14’43”, 1952)

Os famosos concursos de construções na areia, criados pelo jornal Diário de Notícias, são acompanhados pela câmara de Gentil Marques que regista o encontro geracional, a imaginação das crianças e as diferentes qualidades das praias portuguesas..

inclui ficha pedagógica

21 março — Sessão FILmar “poesia”

“A Almadraba Atuneira” (António Campos, DOC, 26′, 1961)

Em 1962, a ilha da Abóbora, ao largo de Tavira, foi arrasada pelo mar, levando ao abandono das comunidades ali presentes há séculos. António Campos filma a última companha da pesca do atum, usando a partitura musical de Sagração da Primavera, de Stravinsky, como um manifesto de liberdade, sobrevivência e luta social e laboral. Um documentário etnográfico em forma de homenagem ao trabalho dos pescadores de atum algarvios, e às suas famílias.

“Verão Coincidente” (António Macedo, FIC, 13′, 1962)

António de Macedo filma o poema de Maria Teresa Horta, como resposta a uma encomenda de uma marca de cervejas, mostrando o quotidiano prazeroso do verão, e onde se misturam tantas variações sobre o calor. O ócio, o trabalho, dias cheios de sol, rituais de amor e a poesia, juntam-se para um dos mais imaginativos trabalhos publicitários portugueses.

“Mar Português” (João Mendes, DOC, 20′, 1950)

A viagem proposta por este filme usa a poesia para construir relações entre o mar e a identidade nacional, a partir da interpretação inconfundível de João Villaret, de alguns dos mais famosos poemas portugueses sobre o mar.

25 a 30 abril — Ciclo “Abril / FILMar”

Qui 25 abr (18:45) + Seg 29 abr (10:30 sob marcação + 18:45)
“A Invenção do Amor” (António Campos, FIC, 24′, 1965)

A partir de um poema homónimo escrito pelo poeta cabo-verdiano Daniel Filipe, António Campos realiza um filme ficcional sobre um casal que é perseguido pela polícia e pelos habitantes da cidade por um crime capital, o de terem inventado o amor. Retirado de circulação pelo realizador, é um dos mais poderosos manifestos que diretamente refletem o Portugal pré-25 de Abril.

+ “Balada da Praia dos Cães” (José Fonseca e Costa, FIC, 110′, 1987)

Um dos maiores sucessos comerciais do cinema português, BALADA DA PRAIA DOS CÃES é interpretado por Raúl Solnado, que transforma Elias Santana, a personagem imaginada por José Cardoso Pires como o exemplo das contradições portuguesas. A partir de uma história real, que durante décadas abalou o país, BALADA DA PRAIA DOS CÃES é um filme visualmente rico, sedutor e envolvente, onde se misturam crime, política, desejo e culpa. O corpo de um capitão fugido do Forte de Elvas, encontrado numa praia em Sesimbra, é o início de uma investigação que levará a polícia a descobrir os fios com que se manipula a verdade.

Sex 26 abr (18:45)
“Vidas Sem Rumo” (Manuel Guimarães, FIC 76′, 1956)

“Vidas sem Rumo”, com diálogos de Alves Redol,  é uma história passada entre mendigos, estivadores e contrabandistas do cais de Lisboa, realizado por Manuel Guimarães que, a exemplo dos seus filmes anteriores, viu a Censura deturpar grande parte do seu filme. Gaivota é uma pobre tonta que sonha com um marinheiro. Pardal, que ama Gaivota, deseja ser aquele marinheiro. Marlene, irmã de Gaivota, vive com o vadio Meia-Lua. Numa noite, o choro de uma criança vai surpreender todos. 

Dom 28 abr (18:45) + (Ter 30 abr 10:30 sob marcação)
“A Fuga” (Luís Filipe Rocha, 110′, 1977)

A partir da famosa fuga de Dias Lourenço, resistente antifascista, Luís Filipe Rocha trabalha a violência da perseguição política, num dos mais importantes e impressivos filmes produzidos logo a seguir à revolução e que, ainda hoje, se apresenta como um dos mais vivos documentos sobre a importância da liberdade. Apanhado na teia da militância antifascista, Pedro apercebe-se que a polícia política está no seu encalço. Durante uma noite vagueia, interrogando-se sobre o seu futuro, antevendo os mais negros cenários, enquanto aguarda por um contacto marcado com um funcionário do Partido Comunista clandestino que ele espera lhe abra caminhos de fuga. Tudo acontece na noite de 24 para 25 de Abril de 1974 – Pedro nem sonha o que aí vem.

Ter 30 abr (18:45)
“Num Mar de Moliço” (Alfredo Tropa, DOC, 12′, 1966)

Dedicado à colheita do moliço nas águas da ria de Aveiro, NUM MAR DE MOLIÇO é um impressivo documento sobre a dureza do trabalho na apanho do moliço, com  comentário e locução de Fernando Assis Pacheco, onde passam ideias de resistência e sobrevivência.

+ “Bárbara” (Alfredo Tropa, FIC, 100′, 1980)

Um luso-americano regressado à terra natal, Joe Valente tem o sonho de transformar a apanha do moliço, na região de Aveiro, duma fase artesanal em verdadeira indústria. A dragagem intensiva da ria, e a consequente oferta à lavoura de moliço a mais baixo preço, causarão a miséria dos que labutam através de métodos tradicionais, provocando o descontentamento e a agitação popular… Em paralelo, o romance entre a filha, Linda, e Filipe, um jovem repórter de Lisboa, destacado para cobrir os acontecimentos. Uma das duas longas-metragens de Alfredo Tropa, é um importante documento sobre as promessas por cumprir das gerações que voltaram a Portugal depois da revolução.

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