– Crónica de Opinião –
Mas o certo é que os esforços se foram sucedendo ao longo dos 115 anos de vida do cinema para que o nosso país não tivesse uma cultura amputada da mais jovem e popular forma de arte, a mais democrática arte do século XX.
Na época salazarista nasceram os estúdios Tobis, hoje em sérios riscos de encerrarem as portas, a despeito dos inúmeros movimentos que tentam salvar uma peça única do património nacional e de que os Caminhos já tiveram uma excelente visão, através do documentário “Tobis Portuguesa”, de Manuel Mozos e Pedro Éfe, dois nomes à margem de qualquer suspeita, na negociata que o eventual encerramento proporcionará. Esta edição dos Caminhos programou muito oportunamente a Retrospectiva Cinema Novo, com cinco filmes emblemáticos do movimento que mudou o curso da história do cinema em Portugal.
Cortando radicalmente com uma cinematografia ao serviço do regime, assente basicamente em comédias para entreter o público, afastando-o dos reais problemas do país, um grupo de cineastas da geração de sessenta deu início a algo que mudaria definitivamente o rumo do cinema no nosso país.
Foram pioneiros a ficção “Dom Roberto”, realizada por Ernesto de Sousa em 1962, e o documentário “Almadraba Atuneira”, realizado por António Campos em 1963.
O primeiro contou com as participações de Raul Solnado, Nicolau Breyner e Rui Mendes, foi produzido através dum movimento cineclubista lançado pelo realizador através da revista Imagem, estreou no cinema Império em Lisboa a 30 de Maio de 1962 e obteve a consagração no Festival de Cannes de 1963, com um a Menção Especial do Júri.
O segundo é um trabalho independente, dum cineasta que assim se manteria, abrindo uma excepção para a sua única ficção. “Terra Fria”, um filme menos conseguido porque “só sabia trabalhar sozinho ou em equipas mínimas”, com meios e a expensas próprias., chegando ao ponto de adquirir um furgão Citroën H do S.A.A.P., Serviço de Abastecimento de Peixe ao País, criado por Henrique Tenreiro, adaptando-o de modo a transportar o equipamento de filmagem, revelar a película e editá-lo, trabalhando em qualquer lado e exibindo o filme de imediato.
A Retrospectiva Cinema Novo começou na passada segunda-feira com “Sofia e a Educação Sexual” de Eduardo Geada (1974), exibiu ontem “Brandos Costumes” de Alberto Seixas Santos (1975), hoje é a vez de “Perdido por Cem…” de António-Pedro Vasconcelos (1973), na quinta-feira será projectado “O Cerco” de António da Cunha Telles (1970) e fechará com chave de ouro, exibindo o documentário “Belarmino” de Fernando Lopoes (1964).
À margem da competição e apresentados no início das sessões, quando os realizadores, o desejam, um ciclo absolutamente a não perder para quem queira saber como ganhou o cinema português um estatuto internacional, de que está longe de desfrutar dentro de portas.