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“Submissão”, de Leonardo António: “O maior desafio foi criar ambiguidade”

Se com dez anos de idade Leonardo António já pegava na câmara para filmar, hoje é com maior destreza que a domina. Na semana em que “Submissão” estreia em Coimbra, o realizador falou da origem do filme, do seu tema tabu e do processo por que passou até chegar às salas de cinema.

 

Entre o orgulho e a submissão

Sinopse original – “Lúcia é violada pelo seu marido e faz queixa. Enquanto luta contra o sistema legal português para colocar o seu marido em Tribunal, descobre que está grávida. O caso é trabalhado em sessão fechada onde Lúcia representa a mulher num mundo de homens – o assunto é a violação e prostituição no casamento”.

Houve um dia na vida de Leonardo António em que um amigo, chefe de psiquiatria, lhe disse que dois grandes problemas da sociedade portuguesa passam pela prostituição e pela violação no casamento. O realizador ficou a matutar no assunto e sentiu que era o ‘timing’ certo para estrear o filme. “Infelizmente, é um tema intemporal. O assunto não se vai desvanecer”, clarifica. Conta que é um tabu, pouco ou nada discutido. “Acho que é um tema que chateia muitas pessoas e apetecia-me falar dele”, explica, e evidencia que o objetivo é “fazer com que as pessoas pensem e reflitam bastante sobre as escolhas que fazem para as suas vidas”.

Em relação a “Submissão”, o jovem realizador revela que queria focar a narrativa na personagem principal e no seu sofrimento. “Sabia que para este filme precisava de uma Meryl Streep trinta anos mais nova”, afirma entre sorrisos, acabando por sublinhar que encontrou a “melhor atriz de Portugal”, Iolanda Laranjeiro. “A performance dela foi maravilhosa, superou a minha expectativa e fez um trabalho fenomenal”.

Quanto ao foco da longa-metragem, Leonardo António conta que aquilo que o preocupava era mostrar a posição da vítima em tribunal. “As referências que o público tem são aquelas que tira do jornalismo, da investigação e do relato, mas nunca viu um tribunal nem o que acontece lá”, esclarece. 

Um filme não se faz em dois dias. Para nascer “Submissão”, o realizador precisou de aproximadamente dois anos para a fase de pesquisa. “Falei com técnicos de saúde, de direito, de apoio à vítima, psicólogos, psiquiatras, polícias, etc., para ter a maior abrangência de perspetivas sobre este subtema da violência doméstica”, descreve.

“O maior desafio foi criar uma ambiguidade”, confessa. “Muita gente [que viu o filme] ficou do lado da vítima e achou o agressor um monstro; mas houve muitos que disseram que o agressor não era um monstro, mas um homem normativo”. Sente que conseguiu ilustrar essa ambiguidade e conclui que “a realidade não é assim tão objetiva”, dado que “sentimos aquilo que queremos por vezes sentir”.

Nas palavras do realizador, a essência do filme passa por “pesar entre liberdade emocional e liberdade económica” e que “entre elas reside a dignidade”. Dentro deste assunto, residem conceitos como o orgulho e a submissão, que dá nome à longa-metragem.

 

Passo a passo na calçada do cinema

O caminho que Leonardo António tomou até chegar ao seu último filme foi construído com muitas experiências e aprendizagens. Na conversa virtual, revelou que o seu filme “O Frágil Som Do Meu Motor” (2012) foi, mais do que tudo, um exercício cinematográfico. “Aquilo que eu obtive com o filme traumatizou-me, no sentido em que o que idealizei e o que saiu foi bastante diferente”. Esta primeira experiência como realizador contribuiu para crescer e aprender mais em cinema.

“O meu primeiro filme serviu para eu aprender imenso sobre quebrar a idealização – sobre o que é a nossa realidade e de que maneira a podemos explorar graficamente”, explica. Confessa ainda que é “tremendamente difícil filmar em Portugal” a nível gráfico, nomeadamente por falta de recursos financeiros. 

Leonardo António evidencia que se critica muito o cinema português por ser muito escuro e ter pouca cor. No entanto, assegura que, com os recursos de produção disponíveis, não podem “pintar uma rua com a iluminação” que querem. Contra as expectativas, no filme “Submissão”, o realizador conseguiu o apoio da Câmara Municipal de Lisboa para mudar a iluminação da Rua D. Carlos I, de modo a tornar a fotografia do filme mais apelativa. Conclui que, neste tipo de produção independente, este foi um grande feito. “Numa produção de milhões, paga-se o que se tem a pagar e pronto”.

O realizador português garante que tem na gaveta mais projetos e histórias, mas que está mais preocupado com o ‘timing’ em que devem sair a público. No final da conversa, revelou alguns dos seus filmes favoritos: “Tubarão” (1975), “Cinema Paraíso” (1988), “A Vida dos Outros” (2006), “Roma, Cidade Aberta” (1945) e “Os Sete Pecados Mortais” (1995). Nos últimos segundos do encontro virtual, apelou-se aos espectadores a assistir à estreia do filme “Submissão”, a ter lugar no Teatro Académico de Gil Vicente pelas 18 horas de quinta-feira (dia 25).

Para ouvir a primeira conversa do ciclo “O Meu Cinema”, clique aqui.

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