O Festival Caminhos do Cinema Português vem, por este meio, esclarecer a sua posição e responder publicamente a mensagens que tem recebido via redes sociais.
Este festival acredita, defende e promove a ideia da possibilidade de uma sociedade mais humana, equalitária e justa, o que é visível na sua programação como expressão exterior das inquietações interiores de todos/as que compõem a sua organização. Acreditamos que o Cinema como Arte que é também pode, e deve, ser plataforma de denúncia, exposição e reivindicação, para além de entretenimento ou objecto fílmico finito e limitado à tela. A programação do Festival nunca foi imparcial ao estado da arte do nosso país e do mundo, tal como poderá ser constatado pelos títulos que programamos, as discussões que organizamos e as instituições que envolvemos.
Acreditamos, defendemos e promovemos os valores constitucionais que Abril nos permitiu conquistar. Sabemos que muitos dos valores que a Constituição Portuguesa prescreve ainda não se encontram totalmente cumpridos, com destaque para as áreas da igualdade social, saúde, ensino e habitação acessíveis. Para além disso, consideramos que o acesso e promoção à cultura (seja qual for a sua expressão), têm sido desconsiderada por vários Governos, independentemente da orientação partidária, e que tal tem sido forçosamente delegada à sociedade, aos indivíduos, associações e instituições (como a nossa) que, anualmente e de forma precária, promovem e trabalham a cultura no nosso país.
Apesar disso, e mesmo com identificação clara de inúmeras incongruências interpretativas que a nossa Constituição permite, iremos SEMPRE defender os valores, liberdades e garantias que esta consagra. Tal promessa deve, na nossa opinião, ser reiteradamente exigida, reclamada e nunca esquecida.
Desta forma, acreditamos numa lógica de um Estado de Direito, baseado na justiça e nas suas instituições, o que inclui Órgãos de Soberania e o cumprimento da legislação em vigor. Repudiamos manifestações de populismo ou julgamentos em praça pública, como são os espaços das redes sociais. Também queremos demonstrar repúdio pelas diversas intimidações que têm sido feitas virtualmente contra as nossas actividades e, inclusivamente, trabalhadores e voluntários.
De acordo com os âmbitos constitucionais e legais continua a ser considerado inocente qualquer indivíduo que não tenha sido ouvido e julgado na instituição adequada para tal. Assim, não acreditamos que comentários anónimos publicados em sítios de crítica cinematográfica ou em redes sociais, sejam prova legítima de qualquer facto. Todos/as e quaisquer envolvidos/as ou testemunhas de um crime, devem denunciar junto da instância adequada, sob o risco de poderem ser considerados cúmplices desse eventual crime.
Até agora, não houve nenhuma acusação ou denúncia formal que justifique um cancelamento ou afastamento forçado da sociedade (que consideramos promíscuo) de quaisquer convidados/as do nosso festival. Pelo que consideramos que as afirmações feitas nas redes sociais sobre tal assunto representam uma auto-consideração de superioridade moral que, inevitavelmente, pode levar a atitudes extremistas, populistas e — em última ratio — elas sim criminosas.
A importação dos EUA e de outros países deste tipo de modelo de julgamento público na internet tem mostrado mais fragilidade do que resultados positivos. Mostra antes um apelo à destruição das instituições basilares previstas na nossa Constituição, ao Estado de Direito e, neste caso, a todo o procedimento legalmente previsto para todo e qualquer crime. Isto tem unido lados políticos de uma forma que, há uns anos, seria impensável, sob a égide de um populismo desenfreado e infundamentado.
Estaremos sempre do lado da parte mais frágil e/ou fraca em qualquer processo legal: o lado da vítima. Mas não consideramos que tenhamos legitimidade, seja ela legal ou moral, de tomar uma posição perante um comentário anónimo, de um «diz que disse», em suma, de uma suposição.
Apelamos novamente a que todos/as aqueles que estiveram envolvidos ou testemunhado algum tipo de crime, que o denunciem na instância correcta, que não se calem, que reivindiquem. Que pugnem pela justiça, sem afirmações partindo do pressuposto que conhecem a verdade.
A luta pelos nossos direitos continua e continuará a ser sempre necessária, mas percebe-se agora que essa luta tem uma frente muito mais ampla do que se pensava.