A decisão do júri de atribuição do Grande Prémio “Cidade de Coimbra” ao filme “Sempre”, de Luciana Fina, foi por ser um filme que pinta com as cores e as tintas do presente, o mesmo mural colectivo dos artistas e actores de Abril. “Um remake, uma ficção, um documentário, um ensaio, um fresco?” Tudo e nada disso. Só um projeto destes, baseado na colossal pesquisa de querer ver tudo – e que já foi uma belíssima instalação projetada numa parede de tijolo na Cinemateca Portuguesa – pode emocionar desta maneira. Nestes 50 anos da revolução, que mais bela, justa e sincera homenagem poderíamos esperar para partir e reconstruir as paredes que nos tapam sempre o caminho?
No agradecimento, Luciana Fina falou da grande emoção de receber este prémio, sabendo que vai também contribuir para a circulação de «Sempre» pelo país, ao encontro de pessoas, gerações e contextos diversos, com uma homenagem ao Cinema e aos cineastas que, através dos seus gestos, marcaram esse tempo e o processo revolucionário. Voltamos a “um sítio que não existe e um tempo que realmente existiu”, como Robert Kramer dizia. Conjugado no tempo presente, num encontro entre o Outrora e o Agora, resgatando os gestos dos cineastas desse tempo, o filme sugere retomarmos a nossa capacidade de invenção do Futuro.
A 30.ª edição do Festival chegou ao fim, após sete dias intensos onde foram exibidos mais de 130 filmes em 56 sessões, onde tiveram oportunidade de se apresentar nomes consagrados do cinema nacional, como Miguel Gomes, longas metragens em estreia, e experiências de quem escolheu a linguagem do cinema para se exprimir. A sessão de encerramento, com a tradicional entrega de prémios a todos os gala, numa sessão no Teatro Académico de Gil Vicente, contou uma presença muito especial: os Belle Chase Hotel, em versão trio, apresentaram um concerto criado para o Festival, com versões de bandas sonoras de cinema.
Todos os prémios
Os jurados da XXX Edição dos Caminhos do Cinema Português premiaram o talento e a criatividade dos profissionais da área, diversas obras em categorias técnicas e artísticas, reconhecendo também o mérito de jovens realizadores e novas abordagens cinematográficas.
A Seleção Caminhos, avaliada por um júri composto por Filipa Vasconcelos, João Pedro Rodrigues, Mina Andala, Paulo Cunha e Pedro Brito, atribuiu os seguintes prémios principais: o Grande Prémio Cidade de Coimbra foi entregue ao filme «Sempre», de Luciana Fina, enquanto o Prémio AXN Movies para Melhor Ficção distinguiu «Estamos no Ar». O Prémio União de Freguesias de Coimbra para Melhor Animação foi atribuído a «Percebes», de Alexandra Ramires e Laura Gonçalves, e o Prémio Turismo do Centro para Melhor Documentário reconheceu «À Mesa da Unidade Popular», de Isabel Noronha e Camilo de Sousa. O Prémio Fernando Santos Sucessores – Revelação destacou a realização de Alexander David, em «À Tona D’Água», como um talento promissor.
Sandra Faleiro conquistou o prémio de Melhor Interpretação Principal pelo seu papel em «Estamos no Ar», enquanto Valerie Bardell foi distinguida com o prémio de Melhor Interpretação Secundária pela mesma produção.
Nos Prémios Técnico-Artísticos, a realizadora Marta Mateus foi premiada com o Prémio de Melhor Realização pelo filme «Fogo do Vento». Na área da fotografia, Rui Poças, Sayombhu Mukdeeprom e Gui Liang receberam o Prémio de Melhor Fotografia por «Grand Tour», de Miguel Gomes. O prémio de Melhor Montagem foi entregue a Lucas Moesch e Daniel Soares por «Bad for a Moment», de Daniel Soares, e o Prémio de Melhor Som reconheceu Nicolas Snyder e Vivian Williams pelo seu trabalho em «Iris», de João Monteiro. Outros prémios técnicos incluíram Melhor Direção Artística para «A Flor de Buriti», Melhor Figurino para Tânia Franco em «Ubu», de Paulo Abreu, Melhor Caracterização para «Mãos no Fogo», de Marta Mateus, Melhor Argumento para Margarida Cardoso com «Banzo, Melhor Banda Sonora Original para «Manga d’ Terra», de Basil da Cunha, e Melhor Cartaz para «Por Ti Portugal Eu Juro», de Sofia da Palma Rodrigues e Diogo Cardoso.
O Prémio FIPRESCI para Melhor Longa-Metragem da Seleção Caminhos, atribuído por Salome Kikaleishvili, Joanna Orzechowska-Bonis e Josef Nagel, distinguiu o filme «Pedágio», de Carolina Markowicz. Um filme passado nos subúrbios de São Paulo, que explora as dificuldades e lutas de uma mãe solteira na gestão das relações familiares, da identidade sexual, da maternidade e na aceitação das diferenças. Com um espantoso equilíbrio na relação entre o humor negro e o drama comovente, o filme realça os desafios de compreensão das escolhas de vida dos outros enquanto celebra a individualidade e a resiliência do dia-a-dia.
Na Seleção Ensaios, o júri formado por Daniel Vicente Roque, Mónica Lemos e Vicente Paredes destacou o filme Uma «Mãe Vai à Praia», de Pedro Hasrouny, com o Prémio União de Freguesias de Eiras e São Paulo de Frades para Melhor Ensaio Nacional, «pela brutalidade delicada da interpretação, o sentido de humor subtil, a leveza da fotografia, … um filme que testa a paciência incondicional de uma mãe num dia trivial de férias em família». Enquanto o Prémio de Melhor Ensaio Nacional de Animação foi entregue a «Cherry, Passion Fruit», de Renato José Duque, que, «através da simplicidade da mancha e dureza do traço, … revela a sensibilidade e vulnerabilidade de um desejo contido». Já o Prémio Universidade de Coimbra para Melhor Filme da Seleção Ensaios, atribuído por um Júri Universitário composto por Bernardo Branco Fernandes, Cátia Susana Machado Beato e Henrique Denis Lucas, foi concedido ao filme «Nothing But Shadows», de Kathy Mitrani.
Na categoria Outros Olhares, avaliada por André Gil Mata, Luísa Neves Soares e Valerie Braddell, o Prémio CISION para Melhor Filme Outros Olhares reconheceu a obra «Enxofre», de Karen Akerman, Miguel Seabra Lopes, «pela abordagem cinematográfica experimental que parte do real concreto do mundo e de uma paisagem mineral inóspita que, apesar do rigor visível na mise-en-scène, a transcende e interpela, numa evocação poética e polifónica que se corporiza através dos passos, das vozes e de um jogo quase lúdico de encontros e desencontros entre duas crianças. Caminhos que se cruzam num cenário espectral, monocromático e agreste, um prenúncio de fim que nos é trazido na abordagem lúcida e simbólica dos autores do filme ao contemporâneo do mundo e às questões mais essenciais da humanidade. Vida e morte, princípio e fim, luz e sombra. Dois percursos que seguem caminho juntos, unidos pela esperança que questiona se para lá da montanha ainda continuaremos a existir».
Foram ainda concedidas menções honrosas pelo Júri da Seleção Outros Olhares ao filme «O Céu em Queda», de Carlos Ruiz Carmona, «pela proposta de revivência e questionamento do cinema clássico, ora minimizando-o , ora rompendo-o, através de uma rigorosa realização, fotografia e arte, que atinge o seu auge na entrega da actriz Carla Chambel, que nos leva para todas as grandes interpretações da mulher no cinema», e ao filme «Die Letzte Wett», de Meike Wüstenberg, pelo júri universitário.
Homenagem a Luís Miguel Cintra
Esta edição do festival também prestou homenagem com o Prémio Ethos, atribuído ao ator Luís Miguel Cintra, pelo seu contributo inestimável ao cinema português.
A entrega do prémio, feita pela atriz Isabel Ruth na cerimónia de abertura do Festival, foi um dos grandes momentos da 30ª edição dos “Caminhos”. Num discurso emotivo, Luís Miguel Cintra falou de representação, do caminho percorrido, da vida e da morte. Ao festival, deixou um importante legado: um livro, com comentários aos 97 filmes em que, de alguma maneira, participou. A obra será editada em breve e promete ser uma viagem única a vários marcos do cinema nacional.