Com a moderação de Clara Almeida Santos, professora na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e ex-vice-reitora da instituição, o encontro digital “Liberdade: A Arte e as Políticas” tocou diversos pontos que enquadram o cinema como espaço de liberdade, mas também como um lugar em que a liberdade pode ser limitada.
Tiago Baptista é o primeiro a abrir o encontro virtual, começando por dizer que o tema é “muito vasto e muito amplo”. Decide começar a discussão a partir da sugestão de um caso concreto: o filme “As Armas e O Povo”. Explica que se trata de um filme coletivo, lançado em 1975 e que regista o período que vai do 25 de Abril ao 1.º de Maio de 1974, ilustrando a ação militar e a movimentação de rua.
Em concordância, Paulo Cunha considera “importante falar desta dimensão coletiva do cinema”. Diz ainda que “As Armas e O Povo” foi “o primeiro filme rodado em liberdade em Portugal” e que “infelizmente o filme acabou por nunca ter estreado nos cinemas”. No entanto, a película foi digitalizada em 2019 para celebrar os 45 anos após o 25 de Abril e está disponível nos dias de hoje.
Portugal e a censura no “século do cinema”
No filme “Cinema Paraíso” (1988) vê-se um padre a censurar os beijos gravados em cada película. Também em Portugal existiam censores que cortavam parcial ou totalmente os filmes – fosse por motivos políticos, de costumes ou mesmo estéticos. Clara Almeida Santos expõe que cerca de 3500 filmes foram censurados em Portugal e exibidos após o 25 de Abril “em catadupa”. “Todas as justificações da censura incluíam a expressão de que os filmes não eram exibidos «a bem da Nação»”, completa.
“Foi uma ditadura particularmente violenta em relação ao cinema”, começa por constatar Paulo Cunha. Esclarece que os números relativos à censura se referem sobretudo a cinema estrangeiro e que “há filmes que foram integralmente censurados e outros que foram aprovados com cortes”. Para ilustrar melhor, o professor e investigador dá o exemplo do filme “Verdes Anos” (1963): “há uma frase que é censurada e que diz isto: «Portugal é um país pequeno, mas tem grandes mulheres»”. O que feriu a sensibilidade dos censores foi o início da frase, “uma vez que Portugal estava a entrar numa guerra colonial”, elucida Paulo Cunha.
No que toca a este tema, Tiago Baptista afirma que “o século XX foi o século do cinema”, e lamenta que em Portugal esse período tenha sido vivido sob um regime de ditadura com censura à sétima arte. No entanto, explica que ainda está por fazer um estudo sistemático sobre a censura no cinema em Portugal. “Não sabemos com rigor quantos filmes foram censurados”, acrescenta. Ainda que haja material disponível para investigação no Arquivo Nacional Torre do Tombo, é um processo que pode ser moroso, mas que é de extrema importância para a história de Portugal. O investigador conclui que “é realmente importante explicar a censura, mostrando-a”.
Haverá ainda opressão de liberdade no cinema de hoje?
A censura parece pertencer a um lugar passado na história, de mãos dadas com regimes autoritários e opressores de liberdade. No entanto, Paulo Cunha explica que podemos ver pequenos casos de censura em exemplos recentes, como num filme da saga “Transformers”. Nesse filme, “o regime chinês personificava o mal, mas a determinada altura foi necessário alterar esse inimigo para a Coreia do Norte, em pós-produção”, de forma a pensar na possível distribuição comercial em território chinês. “Não é qualquer filme que estreia na China”, completa.
Além disso, o investigador conta também um outro caso recente, desta vez sobre o Cazaquistão, que está a interpor processos judiciais contra os filmes do Borat. “Há pessoas que acreditam que no Cazaquistão aquelas coisas acontecem mesmo”. Explica o fenómeno ao dizer que “o cinema continua a ter essa influência social e cultural”.
A moderadora do encontro digital questiona ambos os oradores sobre se as políticas de apoio à produção cinematográfica e audiovisual são mecanismos que promovem a liberdade criativa dos realizadores e produtores de cinema. No que toca às políticas de financiamento da Cinemateca, na qual Tiago Baptista dirige o Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, o investigador considera que a casa vive com um “subfinanciamento crónico”.
Paulo Cunha, por sua vez, informa que a principal ferramenta de financiamento com dinheiro público para o cinema é o ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual). “O ICA flutua ao sabor do mercado. Quando temos estas crises, por arrastamento, o ICA sofre, e sofre também a Cinemateca Portuguesa. Isto seria resolvido se não se dependesse dessa flutuação de mercado”.
O professor chama ainda a atenção para as dificuldades que os filmes portugueses têm em estrear em salas comerciais, dizendo que os filmes que são apresentados são de caráter hegemónico, de Hollywood. “Temos casos em Portugal de filmes que nem conseguem estrear comercialmente”, constata. Acrescenta ainda que “há muitos filmes portugueses que só fazem o circuito dos cineclubes e dos festivais”. Por fim, evidencia que o Estado tem um papel muito importante neste setor, no sentido de regular o mercado.
A conversa virtual terminou com um apelo para que se visitem mais as salas de cinema, escolhendo criteriosamente os filmes, de modo a contribuir para este setor em tempos complicados. Ficou, por fim, o convite para participar nas sessões do Festival Caminhos, que se prolongam até ao dia 7 de dezembro.
Pode assistir ao último painel da XXVI Edição do Festival Caminhos do Cinema Português aqui.
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